Temática

Em cartaz: os filmes de família, caseiros e amadores

Em 2017 os filmes de família, caseiros e amadores ganham projeção no Arquivo em Cartaz – Festival Internacional de Cinema de Arquivo, criando um espaço especial para se debater a preservação, reunir realizadores, descobrir e exibir esse tipo de produção. Histórias e memórias, marcadas por pequenas narrativas privadas, poderão ser vistas, conhecidas e interpretadas ao longo de toda a programação.

Nos arquivos e cinematecas é possível encontrar uma lata (ou mais) contendo filmes de pequenas bitolas com imagens que foram captadas no ambiente doméstico. Esses filmes, na maioria das vezes, não são conhecidos do grande público. Alguns, quando não se sabe quem os produziu, são considerados órfãos. Infelizmente, muitos desses registros singulares da nossa história ainda não receberam o devido cuidado para serem preservados. O que dizer então dos rolos em 8 mm, Super-8, 16 mm e fitas de vídeo que estão sob a posse de algumas famílias? Sabe-se que muitos desses filmes são heranças deixadas por pais e avós e que, às vezes, ficam esquecidos e restritos a uma nova geração de determinadas famílias.

É importante destacar que os registros audiovisuais só são plenamente compreensíveis quando colocados em um aparato tecnológico para sua reprodução. O problema é que existe, em virtude da ausência e obsolescência desses aparatos, uma grande dificuldade em se reproduzir películas cinematográficas e/ou fitas videomagnéticas. Com o desconhecimento do conteúdo e deterioração dos suportes, registros valiosos podem ter como destino o lixo ou, na melhor das hipóteses, uma feira de antiguidades. Diferente de um filme comercial, com cópias distribuídas por centenas de salas de cinema, o filme doméstico é único. Desde o ponto de vista do artefato, no qual imagens e sons estão impressas, até no modo de usar a câmera e filmar eventos do âmbito privado: passeios, festas, casamentos, viagens, batizados etc.

Iniciativas de resgate e mapeamento dos filmes domésticos estão acontecendo em diversos lugares. Pode-se citar, por exemplo, o Archivio Nazionale del Film di Famiglia (Itália), que tem como objetivo salvar e transmitir o cinema amador e familiar, o Archivo Memoria (Cineteca Nacional do México), projeto para resgatar “filmes órfãos” com a intenção de torná-los acessíveis ao público, e a Mostra de Filmes de Arquivos Familiares – Traça(Portugal), que pretende tornar conhecidos alguns dos filmes amadores, caseiros, oriundos de arquivos familiares, feitos na cidade de Lisboa ou por lisboetas. Existe, inclusive, uma data especial, 21 de outubro, para celebrar o Home Movie Day(Dia do Filme Doméstico). O dia, comemorado no mundo inteiro, surgiu com o objetivo de exibir filmes amadores e discutir melhores maneiras para sua preservação.

O tema do Arquivo em Cartaz2017 se insere no contexto internacional dessas diferentes iniciativas de resgate de filmes de família, caseiros e amadores e contribui para o debate sobre a preservação e difusão desses materiais. De acordo com o Center for Home Movies (Estados Unidos da América), filmes caseiros já fazem parte da Film Preservation List da Library of Congress(Estados Unidos da América). Em 2006, por exemplo, as imagens de um cineasta amador, mostrando a relação afetuosa de um pai e seu filho com síndrome de Down, passaram a integrar a lista juntamente com Fargo (1996), longa-metragem dos consagrados irmãos Coen.

Ao longo dos anos, filmes com características domésticas e amadoras foram incorporados ao acervo do Arquivo Nacional por meio de doações (Fundos Elysio Martins, Maria da Conceição da Costa Neves, Mario Lago e Nélie Sá Pereira), depósito em comodato (Fundo Alfredo Britto) e recolhimento (Fundo Fundação Centro Brasileiro de TV-Educativa: imagens da Família Costa Bello). Ainda que em pequena quantidade, esses filmes contribuem para a compreensão desse tipo de produção no país e revelam fragmentos de uma determinada época e lugar e de uma forma de ver e registrar os acontecimentos. A discussão sobre o assunto também pode incentivar um reposicionamento institucional em relação aos registros pessoais, ampliando o entendimento de arquivo, história e memória.

Os arquivos privados podem reservar gratas surpresas. No acervo do arquiteto e urbanista Alfredo Britto, por exemplo, encontram-se rolinhos de 16 mm com imagens relacionadas ao universo do futebol. Rolinhos que provavelmente, pelas suas características, foram produzidos pelo jornalismo da TV Tupi do Rio de Janeiro. Nesse conjunto havia um rolo não identificado que, a partir de uma primeira análise em mesa de revisão, constatou-se tratar do casamento da cantora Nara Leão com o cineasta Cacá Diegues no ano de 1967.

É possível perceber a cada edição do Arquivo em Cartazo potencial de um arquivo público como o Arquivo Nacional. Grande parte da programação foi pensada a partir do seu acervo e da expertise de seus servidores. Destaca-se um dos homenageados, Clovis Molinari Jr. Servidor de carreira da instituição, especialista em audiovisual, curador e idealizador do primeiro Festival Internacional de Cinema de Arquivo do Brasil e um profícuo realizador de filmes na bitola Super-8.Pensando nisso, o festival pretende promover um encontro com imagens produzidas em um ambiente muito íntimo e pessoal, dando destaque ao discuti-las e projeção ao exibi-las em uma tela de cinema.

 Antonio Laurindo - Curador