Como resumir em 15 linhas uma relação de 35 anos? Ok, comecemos pelo começo, no bem distante ano de 1982, quando iniciamos um trabalho juntos na antiga Seção Iconográfica do Arquivo Nacional. Clovis vinha com “a turma do CPDOC” (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) que desembarcava no Arquivo feito uma tropa de assalto disposta a mudar tudo em um projeto de modernização institucional. Eu era um estagiário que assistia àquela ocupação de território com um misto de curiosidade pelos que chegavam e solidariedade pelos que aqui permaneciam. Logo surgiu a simpatia por aquele sujeito meio esquisito, com ares alternativos, e que gostava de falar e contar “causos”. Clovis tinha essa capacidade de entreter. Contava histórias e representava os personagens como ninguém. Algumas tão absurdas que se duvidava que fossem possíveis, mas ele jurava – “é tudo verdade!”. Contava sua experiência no CPDOC, como a do dia em que viu Luís Carlos Prestes chorar diante das velhas fotografias do seu tempo na Coluna Prestes. Suas histórias logo reuniam uma pequena plateia e um grupo se formava. Falava de seus ensaios como cineasta, munido de uma câmera Super-8, e as tentativas de fundar um cineclube na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Eu via em seus relatos verdadeiros enredos prontos para serem filmados, e talvez a ideia fosse essa mesma, como roteiros guardados na gaveta esperando a hora de vir à luz. Por eles acompanhei a criação da Sala Terra, a primeira voltada à exibição de filmes Super-8, e fui a sua inauguração na sede da Esdi (Escola Superior de Desenho Industrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), na Lapa. Inaugurada e fechada na mesma noite, por ordem da direção, chocada com o teor de algumas imagens exibidas. Uma boa história, que renderia muitos papos ao longo dos anos.
Minha história com o Clovis confunde-se com a da Seção de Filmes do Arquivo Nacional, desde o dia em que fomos convocados a uma visita na sede da Polícia Federal, na época na Lapa, e nos deparamos com pilhas de latas enferrujadas. Era o núcleo do que viria a nascer, o acervo da Agência Nacional. Logo começamos a transferir, limpar, identificar e dar organicidade àquele tesouro que, por pouco não se perdera, ameaçado de destruição. Agnaldo Neves logo viria se juntar a nós e o trio permaneceria assim por um bom tempo. Muitas latas, depósitos e cheiro de vinagre depois, já estávamos aptos a receber o acervo da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, uma iniciativa do Clovis para acolher parte da memória do país mais uma vez ameaçada de perda. Gerenciando a Codac (Coordenação de Documentos Audiovisuais e Cartográficos do Arquivo Nacional) e à frente do Recinepor muitos anos, atrás das câmeras ou em frente a uma plateia, Clovis nunca deixou de fazer o que melhor sabia. Contar histórias. E hoje, trabalhando em seu acervo de filmes Super-8 no Arquivo Nacional, eu releio as suas histórias em imagens. Imagens que registram a história no comício da Candelária, na luta pela recuperação do prédio da Une(União Nacional dos Estudantes), nos seus tempos de Uerj, e o início da sua vida profissional no Arquivo Nacional. Imagens que são história. E que serão preservadas onde tudo começou. O ciclo se completa.
Rio de Janeiro, 22 nov. 2017.
Marcus Alves
Historiador, técnico da equipe de Imagens em Movimento do Arquivo Nacional